Ninguém estáva em casa, e ninguém queria saber. Foi avançando em passos muito curtos e silenciosos, e com pequenos gestos lá se foi conseguindo safar. Espreitava aqui, escondia-se ali. Ora estava de cabeça no ar, deslumbrada com as recordações, ora se encolhia o mais que podia, não fosse alguém aparecer de repente, e apanha-la desprevenida. Ela sabia que não era bem vinda naquele sitio, mas não conseguia continuar a sua vida, como se nada tivesse acontecido. Chegara a uma etapa em que se vira obrigada a recuar no tempo e relembrar tudo. Porque em tempos aquela fora a casa em que vivera todos os dias da sua infância. E isso marca. É como uma tatuagem no coração, uma tatuagem bem marcada, daquelas que são para sempre. Apesar de tudo fora muito feliz ali, e agora procurava o tempo que lhe tinham roubado. Procurava o sorriso e as gargalhadas, procurava a casa das bonecas e a corda de saltar. Procurava a serenidade das cestas e o entusiasmo da manhã. E a unica tristeza da qual se lembrava, era desta que agora sentia, porque apercebeu-se que tinha perdido, da sua memoria, as horas do passado. Já nao se as tinha. A nenhumas, para sempre.
Naquele dia, quando acordou, sentiu um nó na garganta. Porque é quando tu acordas, que a saudade se levanta.
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